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People participating in webinars remotely
Artwork by Sandbox Studio, Chicago with Pedro Rivas

Hackeando o seminário de física

Sentindo-se excluído de alguns meios tradicionais para chegar à comunidade de física de partículas, um grupo de pesquisadores latino-americanos criou a sua própria maneira para se conectar.

Em 1989, quando um pesquisador concluía um artigo científico, imprimia várias cópias e enviava-as fisicamente para outros centros de pesquisa. A maneira mais rápida para um cientista compartilhar os dados que tivesse obtido era gravá-los em fita magnética e enviá-los.

Naquele ano, o cientista do CERN Tim Berners-Lee teve a ideia de criar uma World Wide Web, para dar aos cientistas de todo o mundo um melhor acesso às informações que fazem com que a ciência avance.

Embora já se tenha ramificado em milhões de diferentes direções durante as últimas três décadas, a web continua a servir a essa finalidade original, incluindo recentemente um grupo de cientistas da América Latina que procura um novo modo de participar das discussões científicas.

Scientists on day hike in Arvi Park
Artwork by Sandbox Studio, Chicago with Pedro Rivas

Criar uma ligação

Em junho de 2005, o físico chileno Roberto Lineros defendeu a sua dissetação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Chile. Pouco tempo depois, mudou-se para a Itália para fazer um doutorado na Universidade de Turim. Ele reparou que parecia ter mudado de um mundo para outro.

“Assim que me mudei para a Europa, perdi contato com o que estava acontecendo no Chile”, relata.

Concluiu o seu doutorado em 2008 e continuou a trabalhar na Europa como pós-doutorando durante vários anos, antes de voltar ao Chile em 2018. Hoje é professor assistente na Universidade Católica do Norte, no Chile.

Mas, como pós-doutorando, em novembro de 2014, participou do 10º Simpósio Latino-Americano de Física de Altas Energias (SILAFAE), em Medellín, na Colômbia.

Uma atividade social opcional organizada pela conferência foi uma caminhada no Parque Arví, uma reserva natural com cerca de 20 000 hectares, a pouco mais de uma hora de carro à nordeste da cidade. Lineros seguiu para o parque num automóvel com colegas de pós-doutorado do Brasil, da Colômbia, do Peru e do Chile, e até com um visitante da Bélgica.

Acabou sendo um passeio memorável, em vários sentidos.

“Foi bastante engraçado, porque nos disseram que era apenas um passeio curto pelo parque", conta Lineros. "E acabou por ser uma caminhada muito difícil no meio da selva”.

Lineros conversou com seus companheiros de caminhada - Nicolás Bernal, Federico von der Pahlen, Joel Jones-Pérez e Diego Restrepo - sobre o isolamento científico que sentia como pesquisador no Chile. Disse que era difícil encontrar oportunidades para se comunicar com colegas pesquisadores da América Latina, e muito mais do resto do mundo.

A conexão com colegas é um elemento essencial para participar do dinâmico campo internacional da física de partículas. Normalmente, os cientistas fazem isso quando participam de conferências. Aí assistem a palestras de colegas cientistas, colocam questões, descobrem novas oportunidades, criam novas parcerias e partilham a sua própria pesquisa.

Mas não acontecem muitas dessas conferências na América Latina e, mesmo quando acontecem, não existe uma localização central que seja de acesso fácil e econômico para todos os cientistas da região. “Se moro em Santiago e quero ir a Buenos Aires, tenho que reservar quatro dias para viajar até à Argentina, dar um seminário e voltar”, diz Lineros. “Na Europa, às pessoas podem ir [ao CERN vindas de Turim, por exemplo] por um dia e voltar”.

As obrigações familiares e os deveres de docência podem impedir que alguns pesquisadores realizem muitas destes deslocamentos. E mesmo estar presente numa conferência não é garantia de que um pesquisador tenha um grande público, relata Lineros. “Caso não seja a grande estrela da conferência, receberá espaço para uma palestra de 10 minutos numa sessão paralela, à qual só virão as pessoas interessadas no seu tópico”.

Perante este desafio, os participantes da caminhada interessaram-se em descobrir um modo diferente de transpor as distâncias entre físicos em toda a América Latina e no resto do mundo. Lineros propôs a criação de uma série de seminários on-line, transmitidos ao vivo por meio das funcionalidades de videoconferência do Google Hangouts e daquelas de streaming ao vivo do YouTube.

Embora estivessem exaustos pela caminhada surpreendentemente árdua, os doutores naquela noite voltaram ao hotel da conferência entusiasmados com a ideia. Posteriormente, mantiveram contacto por e-mail e recrutaram os pesquisadores Jorge Díaz, Fábio Pereira dos Santos, Germán Gómez-Vargas e Avelino Vincente para a tarefa.

Alguns meses depois, em fevereiro de 2015, estavam no ar com a sua primeira transmissão, e nasciam os LAWPhysics - os webinars latino-americanos de física.

Audience looking at their laptop of the webinar
Artwork by Sandbox Studio, Chicago with Pedro Rivas

Iniciando uma sessão para aprender

Os organizadores tratam as sessões dos webinars como as palestras de convidados que ocorrem em muitos departamentos e conferências acadêmicas. Cada sessão começa com a apresentação do palestrante. Este faz a palestra empregando slides. No final da apresentação, um organizador inicia uma sessão virtual de perguntas e respostas. O sistema YouTube Live permite que os espectadores enviem mensagens para uma sala de chat que permanece aberta durante a sessão ao vivo, e o anfitrião do webinar lê perguntas e comentários em voz alta para o palestrante.

“A primeira audiência foi toda composta por contatos diretos, porque avisamos as pessoas que conhecíamos”, relata Lineros. “Posteriormente começamos a usar as redes sociais para contactar mais pessoas”.

Para facilitar a comunicação entre cientistas de todo o mundo - e da América Latina, onde o espanhol e o português são falados como idiomas principais em diferentes países -, os webinars foram realizado em inglês. Os palestrantes podiam vir de qualquer lugar.

A maioria dos palestrantes é doutor, relata Lineros. Pode ser difícil convencer os doutorandos a participar - sobretudo os da América Latina que não tenham trabalhado no exterior. “São tímidos”, relata. "Para nós, o inglês não é a língua materna”.

Os participantes vão desde estudantes de licenciatura a professores eméritos. Mas os doutores, relata Lineros, sentem-se confortáveis com o idioma - e com a tecnologia.

Tien-Tien Yu, professora assistente da Universidade do Oregon que deu um webinar em 2017, diz que gostou da oportunidade de dar uma palestra para um público novo. “Penso que ainda existe valor numa conversa presencial”, refere Yu. “Mas o que mais me atraiu foi não precisar viajar tanto e permitir o acesso de um grande número de pessoas aos seminários”.

Lia Medeiros, pós-doutoranda no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, afirma que o vídeo da palestra que deu em abril, perto do fim do seu doutorado, continuou a ser útil: ela compartilha-o com os colegas que fazem perguntas sobre o seu trabalho. “Acho maravilhoso que agora exista um vídeo de mim fazendo um colóquio”, relata.

O projeto organiza normalmente duas ou três sessões de webinars por mês. Quase cinco anos depois, o projeto LAWPhysics possui vídeos arquivados de quase uma centena de palestras de físicos da América Latina e de todo o mundo. Em média, cada vídeo do canal tem cerca de 300 visualizações.

Como os webinars são transmitidos on-line, os espectadores podem participar de qualquer lugar no mundo. Inicialmente, o seu público concentrava-se nos Estados Unidos, mas ultimamente tem-se notado o aumento da audiência no Brasil, na China, na Colômbia e na Índia.

As sessões são gravadas e mantidas no canal YouTube do projeto, para que os internautas possam assistir a elas quando tiverem disponibilidade. “Conseguir chegar a quem clica no botão do YouTube a qualquer hora é, penso eu, uma vantagem deste tipo de atividade”, relata Xavier Bertou, físico da Comissão Nacional de Energia Atômica da Argentina que deu um webinar em 2018.

Latin American scientists connecting to each other from around the world to talk about science.
Artwork by Sandbox Studio, Chicago with Pedro Rivas

O virtual encontra a realidade

A lista de pessoas que participaram dos webinars tem aumentado ao longo do tempo, mas os seus objetivos não se alteraram.

O físico Alejandro Cárdenas-Avendaño tornou-se um organizador dos LAWPhysics em 2017. Antes de iniciar o seu programa de doutorado na Universidade do Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, foi estudante de física na Universidade Nacional da Colômbia, uma instituição pública, e de matemática na Fundação Universitária Konrad Lorenz, uma instituição privada, ambas de Bogotá.

Durante os cinco anos que passou nestas universidades, ele estima que apenas 10 palestrantes internacionais visitaram o seu departamento para dar palestras. “Não temos recursos econômicos para trazer muitos palestrantes”, relata.

Ele afirma que gosta de assistir a palestras pré-gravadas on-line, mas os webinars ao vivo são ainda mais valiosos. “O que eu realmente gosto nestes tipos de eventos é que são oportunidades para os estudantes da América Latina ouvirem uma palestra sobre pesquisa de fronteira, e também onde se podem colocar questões”.

“É um modo de os físicos de todo o mundo acompanherem o ritmo das descobertas e das inovações”, afirma Marcelo Ponce, físico e especialista em informática que trabalha no centro de supercomputadores da Universidade de Toronto, no Canadá, e que participou dos webinars em janeiro. “Acho que é muito importante para as pessoas estarem conscientes e atualizadas sobre o que está sendo feito, especialmente nas fronteiras de determinados campos”, relata.

Medeiros é do Brasil, mas passou toda a sua carreira acadêmica nos Estados Unidos. Para ela, os webinars têm sido uma maneira de se conectar à comunidade de física do seu país natal.

“É muito bom ter um grupo de cientistas da América Latina, independentemente de viverem ou não na América, que se reúna e fale sobre ciência”, diz Medeiros. “É mesmo muito bom”.

Depois de uma pausa para o verão, o LAWPhysics voltou à atividade. Os físicos interessados em participar podem entrar em contato por meio do endereço lawphysics@gmail.com.